quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

A Carcaça da Humanidade

De Victoria Salles Fernandes

Peter Greenaway é um dos realizadores que mais explora o tema dos rituais com os quais a sociedade ocidental oculta o corpo. Ele usa o nu na sua forma barroca, fútil e excessiva. De toda a sua extensa filmografia, O cozinheiro, o ladrão, a sua mulher e o amante e o Livro de Cabeceira são aqueles em que, mais claramente, o corpo é associado ao consumismo, metáfora do capitalismo crescente; no primeiro associado ao canibalismo (metáfora do consumismo levado ao extremo), no segundo, o corpo apresentado como imagem de uma literacia abandonada pela cultura moderna, o corpo que perde a sua capacidade significativa, escondido por debaixo da capa das letras, que o abafam e reprimem. A cultura como bem consumível é uma das metáforas mais usadas nos filmes de Greenaway.A imagem dos corpos em Peter Greenaway fazem parte de uma imagética revolucionadora no cinema. Greenaway pinta, mais do que realiza, os planos dos seus filmes (revelando aliás a sua primeira formação que foi a pintura). Por via do excesso organizam-se em série vários de seus filmes. Em Drawing by Numbers há uma numeração de um a cem, que vai do início ao fim do filme. Em The Prospero’s Books são os livros que determinam a ordem dos acontecimentos. Os filmes de Greenaway convidam à sedução visual assim como ao desafio intelectual. Como puzzles intrigantes, obrigam o espectador, através de pistas e vestígios, à investigação. Elemento chave para a compreensão de cada filme, o corpo ocupa um lugar de destaque na obra de Greenaway, tendo um significado próprio: o corpo nu é sereno, o corpo vestido está pesado da culpa e da vergonha. Para Greenwawy o uso excessivo do corpo acaba no canibalismo, metaforicamente e literalmente em vários dos seus filmes. Alusão à moral excessiva, proveniente da tradição cristã em que na Ceia Final, Cristo oferece o Seu Corpo, numa simbiose total do corpo material “este é o meu corpo”. O consumismo capitalista e o cristianismo têm a mesma metáfora do consumo do físico, através do corpo. O centro de todas as questões que atravessa todos os tempos, todas as culturas e identidades é o próprio eu físico. Todos têm um corpo, mutilado ou não, todos os seres têm na sua exterioridade uma forma de filtrar a imagem interior. As interpretações sobre o corpo variam, os rituais do corpo mudam, mas o corpo continua, imune às concepções filosóficas. Nas sociedades consumistas e hedonistas, o culto ao corpo é muito intenso, num sentido comercial. O corpo dos filmes de Greenaway ignora as modas, o corpo não é jovem, elegante; por vezes é mesmo “aparentemente feio”, escapando aos estereótipos criados pelas modas: este parece-me ser o aspecto mais importante evidenciado por Greenaway; quando representa o corpo, são as várias vertentes do uso omnipresente do corpo, o interior, o exterior, o doente e o são, a deformação … É toda uma enciclopédia fisiológica da

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