quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Peter Grenaway e Raymond Bellour

Peter Greenaway é hoje um dos poucos realizadores multimídia que sabe mostrar, através de seu hibridismo artístico, como provavelmente serão as novas linguagens do futuro. Talvez por isso seja tão difícil compreender a vanguarda em suas obras. Em entrevistas ao Vídeo Brasil ele disse “O cinema desperdiça o cinema – sem dúvida temos que fazer melhor uso dele”. Com base em uma das obras apresentada nesse festival, resolvi fazer uma conexão com o livro Entre-Imagens, de Raymond Bellour, que acredito compartilhar suas idéias escritas com as imagens apresentadas por Greenaway.
Muitas obras de Greenaway foram apresentadas na décima sexta edição do Festival Internacional de Arte Eletrônica Sesc - Vídeo Brasil, que contou com sua presença em pessoa. Selecionei uma obra que em 1989 foi apresentada na TV holandesa e que o estudioso Arlindo Machado aponta em seu livro A Televisão Levada a Sério como um dos melhores programas já realizados no mundo, TV Dante - contos 1–8. A TV, por ser uma plataforma, de acordo Peter com Greenaway, “...muito mais ousada , muito mais inventiva, muito mais experimental e muito mais abrangente”, possibilita a fusão multimidiática. Opinião também compartilhada por um dos primeiro cineastas que migraram do cinema para a TV, Jean-Luc Godard: “...televisão é o único lugar que pode reformular hoje uma utopia, que durante muito tempo foi a utopia do livro, enquanto o vídeo faz a mistura de imagens e palavras. Hoje não há descompasso, mas passagens invisíveis, reversíveis entre a narrativa e a autobiografia do eu, o auto-retrato. Isso implica também que haja mais passado a ser narrado. Agora tudo é linguagem imediata.” Portanto, a TV foi o palco perfeito para uma adaptação moderna de O Inferno de Dante. Os episódios contam a história da descida de Dante ao inferno das almas perdidas. Lá ele encontra pecados cometidos que são os mesmos cometidos por nós “contemporâneos”.
Vemos nessa obra como o surgimento do vídeo expandiu o formato da linguagem, não levando em conta apenas a vídeo-arte, mas conceitos como tempo e espaço, pois, diferente do cinema, a televisão é detentora de instantaneidade que nos aproxima do tempo real. Greenaway aposta no desenvolvimento do tempo narrativo em simultaneidade, pois essa obra se passa como uma transmissão em tempo real de um lugar desconhecido, mas com muita conectividade com a Terra. Sons e ruídos se misturam como algo realista, mas, imagens, texturas e janelas aprecem na tela fazendo ligação com possíveis sentimentos do personagem. Bellour, em seu livro, trabalha exclusivamente com inter relações de imagens que ele denomina como “passagens”, pois mesmo o cinema, com seus efeitos, máscaras e trucagens não conseguiria criar imagens sobrepostas e janelas no mesmo plano com tanta conexão de dramaticidade e dissimulação do espaço.
A obra é muito híbrida e parece ter sido inspirada em diversas referências, além do clássico A Divina Comédia. No primeiro impacto ela lembra algumas cenas do filme Duna de David Lynch e colagens de imagens que nos remetem a viagens espaciais dos anos 70 e até mesmo as transmissões da famosa série Perdidos no Espaço, mas com um aspecto realista de transmissões espaciais das primeiras idas do homem à lua. “Não podemos mais falar em imagens simples, a imagem-vídeo cria uma nova linguagem, uma nova forma utópica, capaz de permitir, a partir da integração com outras formas de expressão (cinema, fotografia, pintura), sua organização em um sistema próprio”, diz Raymond. Para ambos, tudo que era cinema, fotografia e pintura entraram em fusão e se tornaram hoje o que conhecemos como imagem.
Em Entre-Imagens, Raymond destaca as obsessões autobiográficas de Stendhal, que tenta diversas vezes reproduzir no papel as imagens que vê e que as palavras não conseguem descrever. Para tal deficiência usa o desenho como ferramenta lingüística, a força da imagem integra o texto com o intuito de reforçar os momentos vividos, as imagens e sensações guardadas. Em um fragmento do texto ele cita: “se não narro realmente minha vida, procuro capturá-la, isso porque quero capturar a mim mesmo, pois no instante em que escrevo sou assaltado por imagens, como acontece nos sonhos”. Pode se ver claramente quando Stendhal remete ao sonho, sua ligação direta com o vídeo, em que as imagens estão envolvidas com as palavras, mas as imagens sempre predominam.
Para se chegar à obtenção da imagem que vem de dentro da nossa mente para uma tela diante de nossos olhos, a captação quanto à pós-produção, auxiliam nessa busca. A imagem passa a ser artificial, moldada às vontades e anseios do espectador e assim podemos dar início a um mapeamento de estruturas conceituais em nosso cérebro que podem vir a se tornar comuns a um grande contingente de pessoas.
Algo que atualmente condiz e que chega ao extremo da simultaneidade de tempo e espaço são os VJ’s. Um novo conceito, levando em considerarão a forma de sua aplicação, muito desenvolvida por artistas plásticos do começo da década de 60 como Joyce, que propunha a integração público e obra, levando também em consideração a simultaneidade. Os VJ’s trabalham com imagens em constante mutação, diversas janelas que integram e compõe um plano, tudo isso seguindo e tentando acompanhar os sentimentos passados pelo hibridismo da música eletrônica. O fato de tantas pessoas aderirem a esse estilo de integração com som e imagem afirma que nossa mente é capaz de registrar simultaneamente milhares de sons e imagens, mesmo que sempre priorizando nosso gosto. Mas o que o ser humano gosta cada vez mais é o conjunto.
Greenaway é um grande contribuidor dos VJ’s. Quase todos, para não dizer todos os conceitos que defende de nova linguagem se encaixam no movimento. As relações das imagens, que sozinhas não teriam grande impacto, mas juntas geram um outro movimento, ritmo e tempo.
As obras de Greenaway como um todo mostram a vontade de um homem em busca de uma linguagem ideal que supra a vontade humana de se expressar, pois em cada colagem, em cada recorte e efeito vemos o tão esperado e benéfico colapso das categorias artísticas.

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